sábado, 29 de maio de 2010

Sobre unhas e selos

Colecionava selos e pintava as unhas de azul. Sonhava com pássaros, lindos campos e casinhas aconchegantes. Mas de seu daydreaming acordava em meio a buzinas, carros e fumaça, muita fumaça. Queria ver gatos fumantes, fumegantes, mas via apenas a fumaça dos automóveis. Queria fechar os olhos de dentro novamente, mas o sinal já estava verde.

Lembrou-se do Ensaio sobre a cegueira, imaginou que poderia sofrer de uma ilusão repentina, olhos fechados. Olhos abertos e pronto: em vez do branco leitoso, o colorido cinza de uma tarde de sexta-feira, engarrafando o Rio de Janeiro. Estava indo trabalhar. Enfim, sua última jornada da semana. Ensinaria aos ricos de espírito sobre a pobreza do ser. E lá foi. O que a deixava animada era a volta para casa. Ah, sim, porque haviam planejado uma noite típica: jantar, filme, abraços compartilhados no meio da madrugada.

MAs um telefonema mudou tudo. "Desculpa, querida, não vai dar pra eu ir. Terei que ficar até mais tarde no trabalho". "Ah, tudo bem. Depois a gente se vê. Beijo, bom trabalho". E assim ensinou sobre a pobreza do ser. Lá pela metade da palestra, descobriu que era uma hipócrita. "Façam o que eu digo, não façam o que eu faço", pensou, sobre si mesma. Como era medíocre! Fazia-se de forte, de moderna, suas unhas azuis confirmavam. Mas colecionava selos... Selos! E esses tais selos passaram a incomodá-la! Figurinhas pequenas, de cores medíocres, como a sua alma. Coladas, inertes, como as suas atitudes. "Sonhadorazinha ridícula." - Foi seu último pensamento cafona antes de continuar sua aula cafona.

E então, tendo-se pensado dessa forma, decidiu gritar. Tocar no mais alto volume o Blues que descoloria seu coração. E então ligou para ele. Os desabraços que a madrugada prometera transfiguraram-se em gritos, ofensas, "você é moleque. M-O-L-E-Q-U-E!"

E de certa-medíocre passou à medíocre errada. Foi tão pequena que inverteu a situação. "Contrária a mim mesma" - pensou. E teve que pedir desculpas.

Então, delicadamente, suas unhas azuis destacaram-se no lento movimento diário de rever os selos. Seus queridos selos. Inertes, de um lindo colorido-pálido que a encantava. Percebeu então que gostava mesmo era dos selos. Quem sabe um dia alguém não registraria, como uma paisagem, a sua cara de paisagem em um deles. Quem sabe?

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Achei bonito.

Domingo

Decidiu na noite anterior que acordaria mudada. E foi. Deixou os chinelos, foi descalça até o chuveiro, onde não lavou a cabeça. Presos, os cabelos foram se soltando, ao longo do caminho, até a praia. Na praia dançou, sob o ritmo das vagas, uma dança sem igual. Cabelos molhados, vestido molhado. E, secando ao sol, percebeu que a dança das ondas também atraía outros seres mudados: passarinhos, pessoas. Pessoas mudadas em passarinhos. E, leve como a pluma, levantou voo pra casa. Direto pra casa. No caminho até que pensou: - Vou passar no... - e sua ideia também foi mudada. Em casa não pegou filme, não descansou, não dormiu. Leu. Pegou um livro antigo, de historinhas deliciosas do Drummond, e não. Não ruminou saudades, não sofreu antecedências, não comeu ansiedades, sequer banho tomou, pois a praia já havia levado a poeira para as suas profundezas. Apenas leu. E, no embalo das letras, rodopiando na vaga das linhas, dos parágrafos, das histórias... Dormiu. Enfim. Exausta do seu dia mudado. E acordou cedinho, e tudo já estava remudado. Inclusive sua alma, que de cinza ficou branca. Clara como o dia que estava prestes a recebê-la.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Com quantos (velhos) versos se faz uma (nova) música?

Todo dia ela faz tudo sempre igual
Vai trabalhar, vagabundo, vai trabalhar criatura.
[Mas]
Daqui pra frente tudo vai ser diferente.
Hoje eu quero paz, eu quero amor.

Às vezes no silêncio da noite
Quando o coração da gente se apaixona
You are always on my mind
Tum, tum, bate coração, oi, tum, coração pode bater.

Você nasceu pra mim, eu nasci pra você
louca pra te ver chegar, louca pra te ter nas mãos.
Ele [veio] sem muita conversa, sem muito explicar
Sem você sou pá furada...

Dizer segredos de liquidificador
[dentro da minha orelha fria]
Até amanhã eu vou ficar
Nós somos rainha e rei.

***

Hoje eu disse pra ele que senti uma saudade quentinha, que me abraçou como travesseiro. Engraçado sentir a metamorfose da saudade:
desesperava< doía< incomodava< ardia< ...< travesseiro.
Daí, pra aconchegar, fiz uma música de retalhos, impossível de ser cantada. É que muita informação sonora embola, traz sentimentos antigos.

***

Engraçado notar a música dançando na cabeça. Engraçado ficar recitando, só pra ver a saudade passar.

***

Mas tudo passa, tudo passará.

domingo, 16 de maio de 2010

Wed-designer... iupi!!!!

Acho que vou mudar de profissão...
O ramo dos casamentos é rentável, moderno e supersupimpa!
Acho que vou ficar bonita como designer de convites, que tal? Bonita e rica, porque riqueza traz calma, calma traz beleza.
Correção, planejamento e tudo isso não está muito salutar.

Em breve, no mercado, M. Wedding-designer. Aguardem!

***

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Dia das Mães, Dr. Parnassus e saudades


Assim foi, nada convencional, o domingo que passou por essas bandas de cá. Não haveria nada de convencional em um Dia das Mães com homenagens, presentinhos, almoço em família. Depois cinema com o namorado, para marcar aquela presença. Mas esse foi. Convencional e bom demais.
Primeiro porque o almoço das mães juntou as moças da MINHA família e da MINHA FUTURA família. Mãe, avó, tia e sogra reunidas. Bonitinho, gostei. Gostamos, eu acho.
Segundo porque, pulando etapas, o final do dia acabou com saudades. Mas isso é bem típico de domingo, dia semanal da saudade. Dez horas da noite, indo, Mari. - Vai com Deus, meu amor. Bom trabalho, até daqui 15 dias. Saudade...
Mas o domingo foi danado de bom MESMO por conta do Dr. Parnassus. O imaginário mundo do Dr. Parnassus.
Fomos nós para o cinema pensando em assistir mais um filme DO Johnny Depp, cheios de expectativas, é claro (porque a Alice no País das Maravilhas deixou a desejar... pelo menos por aqui). Que nada! O MUNDO é um filme COM o Johnny Depp, COM o Heath Ledger e COM otras cositas más. Fantástico. É assim: um homem, , Dr. Parnassus, faz um trato com Mr Evil (God's away, super a calhar!!!!). O Diabo perde a aposta e, em troca, Parny é tornado imortal. 1.000 anos depois, volta o Mal para buscar a dívida de uma outra aposta, dessa vez vencida: sua filha, que agora tem 16 anos. Basicamente é isso. Isso que, através do espelho, nada tem de básico. Dr. Parnassus, minha gente, entra no imaginário, na imaginação das pessoas. Ou melhor: as pessoas são quem entram em suas próprias e respectivas imaginações através do Doutor. Fantástico.
Mas aí vão dizer: já vi mais ou menos isso em alguns lugares: tem a Alice no mundo dos espelhos, tem o Quero ser John Malcovich, tem mil coisas. Tem, sim, ok. Mas coisas LINDAS, imagens plasticamente PERFEITAS, ENCANTADORAS e que fizeram o meu domingo sair da monotonia... Eu não achei em lugar nenhum.
Claro que tem muito mais coisas além dessa sessão de elogios. Dá para passar o Dr. Parnassus na escola, pra ver com os amigos, com a família, com o namorado... sozinha, então, uma beleza.

Recomendo MUITO!

E, já que por aqui não assumimos a postura de críticos de cinema, apenas escrevinhamos sobre gostos e afins, missão cumprida.