quarta-feira, 21 de julho de 2010

Cotidiano

O moço, após sair do escritório, encaminhou-se diretamente para casa. Como sempre o fazia. Excetuando-se as vezes em que passava pelo mercado e demorava-se na fila do caixa. Ao abrir a porta, deparou-se com a mulher, de avental e reclamações em punho, costumeiramente desagradável. Sua casa fedia a alho, sua vida era um ensopadinho sem graça, feito de músculos e legumes da xepa. A reclamação do dia era a falta de material para a janta. Fez o caminho de volta, de marcha-ré foi ao supermercado. Mas desta vez demorou-se mais na fila do caixa. A conversa por lá estava boa, excitante. Quarenta e dois reais, senhor. Crédito ou débito? Quer que ajude a ensacar? Boa noite, até a próxima. E um sorriso.
Exausto de tanto prazer, o moço deteve-se na porta do mercado. E lá se demorou, observando de longe a simpatia da moça do caixa, contrastando-a com o cheiro de alho que vinha da mulher.Então ele meteu a cabeça por dentro da sacola plástica, cheirou o alho que guardava lá dentro mais do que tempero para a janta: guardava a sensação do matrimônio, o cheiro de sua mulher. E percebeu, enfim, no que havia se transformado o cheiro fresquinho de lavanda da adolescência. E viu que era ELE o comprador do alho.
De súbito ele voltou ao mercado, comprou lavanda, xampu, perfume, pasta de dente. Comprou queijo bola, salame, uma garrafa de vinho. Mas deteve-se, novamente, na fila do caixa. Esqueceu de levar alguns itens, senhor? Pois é. Sabe dizer se esse xampu é bom? E essa lavanda, cheirosa o suficiente? São, sim, senhor. São pra minha mulher. Hum, moça de sorte. (sorrisos). Ele foi para casa, transformar o alho em perfume. Ela tirou o avental e foi para sua casa, onde morava com seus dois filhos. E um homem, pai da menininha que carregava já no 7º mês. E já foi cansada, porque, depois de muitos sorrisos, ainda tinha um ensopadinho para preparar.

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